terça-feira, 2 de outubro de 2012

Bullying: conceito e contextos da violência (Artigo publicado na Revista Ateliê do Colégio Modulo)


Bullying
Expressão inglesa derivada do adjetivo bully, que significa valentão brigão. Foi cunhado pela primeira vez pelo norueguês Dan Olweus em 1970. Em sua definição, bullying refere-se à exposição de um indivíduo ou grupo de indivíduos a ações negativas, que envolvem comportamento agressivo e incomoda o outro por meio de palavras, ações, contatos físicos, gestos obscenos, exclusão, etc.
Os estudos sobre o bullying iniciaram no final dos anos 60 e início dos anos 70. Na época, as investigações ocorreram na Escandinávia, somente entre os anos 80 e 90 é que apareceram no Japão, Irlanda, Reino Unido, Austrália e Canadá, entre outros países. Nessa época eram identificados comofenômenoousíndrome social, por se tratar de um conceito que se constituía a soma de diversas características, consequências, variáveis individuais e grupais.
A prática de bullying pode ser observada nas escolas, e em outros ambientes de trabalho, na casa da família, nas forças armadas, prisões, condomínios residenciais, clubes e asilos como apontam Smith e outros pesquisadores (2002) e Fante (2005).
Recentes pesquisas demonstram um aumento na incidência do bullying, e revelam que tais comportamentos agressivos são usualmente dirigidos a minorias, com características físicas, socioeconômicas, de etnia e orientação sexual, diferentes dopadrãode normalidade estabelecido socialmente. Por exemplo, crianças e adolescentes que possuem alguma deficiência são mais alvo de bullying do que aquelas que são considerados "normais". Ser diferente é um pretexto para que o autor do bullying satisfaça a sua necessidade de agredir, ofender e humilhar alguém. Os agressores buscam em suas vítimas algumas diferenças em relação ao grupo no qual estão inseridos. Ou seja, a prática de bullying constitui-se numa prática de preconceito, de rejeição perversa, que priva o indivíduo, considerado diferente e inferior, de sua dignidade, e de seu direito de participar e existir socialmente.
Assim, o bullying apresenta uma implicação aos princípios democráticos universais. Uma sociedade que não respeita o direito e a integridade física, moral de um indivíduo, onde cada um segue suas vontades próprias, sem limites e respeito aos diferentes grupos sociais, contribui ainda mais para se estabelecer violência e opressão. Nesse sentido, as motivações do bullying podem também ser explicadas na concepção que os indivíduos possuem de sociedade, cultura, das noções de poder, privilégio e respeito.
Mesmo com o aumento do bullying na escola e em nossa sociedade alguns familiares de vítimas e agressores desconhecem a incidência desse fenômeno, suas características, ou as graves consequências dos atos cruéis e intimidadores. Por conta desse desconhecimento, ele é confundido com a indisciplina ou brincadeiras entre alunos ou grupos de alunos, por vezes de caráter físico, que envolvem contato pessoal, discussões ou brigas corriqueiras, ocasionais, em pares de igual força e poder.
Peter K. Smith (2002) pesquisador da University of London, define bullying como um subconjunto de comportamentos agressivos de natureza repetitiva, que se baseia numa relação de poder. Segundo o autor, sua natureza repetitiva se pelo fato de que uma mesma pessoa é alvo da agressão várias vezes, pelos mais diferentes motivos, e não pode se defender eficazmente das agressões.
Assim, os agressores se valem dessa incapacidade para infligir dano, seja porque alcançaram algum tipo de gratificação emocional com tal postura, seja porque pretendem obter alguma vantagem específica, como se apossar de dinheiro ou de objetos da vítima, ou ainda solidificar posições na hierarquia do grupo onde estão inseridos, ou aumentar sua popularidade entre os demais colegas.
É consenso na literatura autores concordarem que o bullying se manifesta através de comportamentos agressivos, baseadas numa relação de poder. Costantini (2004, p. 69) afirma que

[...] o bullying não são brigas normais que ocorrem entre estudantes, mas verdadeiros atos de intimidação preconcebidos, ameaças que sistematicamente, com violência, física e psicológica, são repetidamente impostos a indivíduos particularmente mais vulneráveis e incapazes de se defenderem, o que leva a uma condição de sujeição, sofrimento psicológico, isolamento e marginalização.

O autor em sua definição ainda aponta que o bullying, sendo uma prática de comportamento ligada à agressividade física e psicológica, pode ser confundido com comportamentos casuais. Desse modo, ele diferencia os comportamentos normais, como agressões esporádicas entre estudantes, das práticas de bullying, que são intencionais e repetitivas contra a mesma vítima.
O bullying pode se manifestar de maneira variada, através de violência física e agressões, linguagem vulgar, apelidos, humilhações, ameaças, intimidações, extorsão, furtos e roubos, ou ainda exclusão de um determinado grupo.
Martins (2005) classifica o bullying da seguinte forma: diretos e físicos, que incluem agressões físicas, roubar ou estragar objetos dos colegas, extorsão de dinheiro, forçar comportamentos sexuais, obrigar a realização de atividades servis, ou a ameaça desses itens; diretos e verbais, que incluem insultar, apelidar, "tirar sarro", fazer comentários racistas ou que digam respeito a qualquer diferença no outro; e indiretos que incluem a exclusão sistemática de uma pessoa, realização de fofocas e boatos, ameaçar de exclusão do grupo com o objetivo de obter algum favorecimento, ou, de forma geral, manipular a vida social do colega.
Assim, o bullying é um conceito bem definido, peculiar, com características próprias, muitas vezes antecede e indica as prováveis manifestações mais amplas de violência, que podem não ser percebidas. Exemplo disso é a violência nas escolas, nos EUA e recentemente no Brasil em Escola de Realengo no Rio de Janeiro, que assemelha aos rituais de massacre e violência em escolas norte-americanas. A tragédia de Columbine, em 1999, na qual dois estudantes, vítimas de bullyiing, mataram 13 pessoas em uma escola do Colorado, Estados como Littleton, Springfield, Oregon, West Paducah, Kentucky, Jonesboro, comunidades escolares também vivenciaram tiroteios, mortes de inocentes, situações semelhantes a de Columbine. O mesmo ocorreu em Virgínia (leste dos EUA), em abril de 2007, e chocou o país. O estudante sul-coreano Cho Seung-Hui matou 32 pessoas antes de se matar no campus da Virginia Tech, ao disparar mais de 170 tiros em nove minutos. O serviço secreto dos EUA, juntamente com o Departamento de Educação, ao analisar os casos de violência na escolas, apontou uma forte relação dos autores desses incidentes, em algum momento, estiveram envolvidos em casos de bullying. (U.S. SECRET SERVICE, 2002)
É forte a correlação entre autores de bullying e o tipo de educação negligente. Estudos têm encontrado nas famílias dos autores comportamentos tais como, distância emocional entre os parentes, deficiência afetiva e disciplina inconsistente na relação com as crianças. Para DeHaan (1997), as crianças que experimentam relações familiares marcadas pela frieza e com escasso monitoramento tendem a ser mais agressivas. Carvalhosa e outros autores (2002) apontam correlações entre autores de bullying e convívio com pais pouco afetivos e incapazes de elogiar seus filhos. Blaya e Hayden (2002) agregam ainda fatores econômico-sociais às famílias de crianças agressoras. Para a autora, quando esses pais vivem sob forte tensão, possuem grande incidência de desemprego, trabalho inseguro e de baixa remuneração, são fatores que geram predisposição à agressão.
É importante não negar a influência dos fatores familiares sobre o comportamento de crianças e adolescentes agressivos. No entanto, devemos salientar que as explicações não devem ser absolutas na justificativa dessas ocorrências. Essas análises não devem ser deterministas, devem estar aliadas a outros fatores para que se reconheçam as variáveis estruturais e contextuais desse fenômeno.
Sendo assim, o enfoque dado para tratar das influências dos agressores deve também ser explicado a partir dos fatores internos ligados à organização escolar, os conflitos gerados pelos adultos nesses ambientes, e questões da personalidade dos autores. Características da escola, suas normas e disciplinas, a forma como os professores lidam com os conflitos, acabam por não contribuir com a minimização do problema. As escolas, muitas vezes, para combater o bullying criticam e controlam de maneira punitiva seus autores, o que gera mais violência e revolta. Os educadores precisam entender que as influências de comportamentos agressivos são múltiplas e complexas.
Sobre a popularidade dos autores de bullying, existem conclusões distintas. Fante (2005, p. 73, grifos nossos) afirma que o agressor[...] costuma ser um indivíduo que manifesta pouca empatia.

[] normalmente se apresenta mais forte que seus companheiros de classe e que suas vítimas em particular; pode ter a mesma idade ou ser um pouco mais velho que suas vítimas; pode ser fisicamente superior nas brincadeiras, nos esportes e nas brigas, sobretudo nos casos dos meninos. [] é mau-caráter; impulsivo, irrita-se facilmente e tem baixa resistência a frustações. Custa a adaptar-se às normas. Adota condutas antissociais, incluindo o roubo, o vandalismo e o uso de álcool, além de sentir atraído por más companhias.

Também não existe consenso na literatura a respeito da autoestima dos autores de bullying. As visões mais tradicionais vinculam baixa autoestima entre características dos agressores. Um estudo finlandês identificou nos autores e naqueles que o apoiam, algum tipo negativo de autoestima, ou seja, autoestima defensiva, um tipo de personalidade que é incapaz de qualquer autocrítica. (SALMIVALLI et.al., 1999)
No entanto, existem trabalhos que evidenciam o contrário e vinculam comportamento agressivo a uma presença elevada de autoestima. Olweuls (1993) assinala que os autores do bullying não possuem autoestima baixa, e seus níveis de ansiedade são menores em relação às vítimas.
Por outro lado, a imagem de garoto (a) mau, como atributo importante para intimidar outros colegas, cometer ameaças, não pode ser entendida como regra máxima. Essas características atribuídas individualmente não funcionam sempre na prática do bullying. Um aluno fisicamente fraco pode se revestir de muito poder e usar contra os demais. Neste caso, ele pode se aliar a um grupo de alunos e atuar em conjunto. Aqui, o bullying é denominado de coletivo.
Considerando que na escola os alunos têm como características a formação de grupos baseados em interesses em comum, e que existem ainda as divergências e conflitos de interesses entre grupos, isto é suficiente para existir um sentimento de rivalidade e justificar a prática de bullying coletivo.
O bullying ainda apresenta duas características subjetivas importantes na compreensão desse fenômeno. A satisfação obtida pelo agressor na medida em que impõe sofrimento, e a sensação da vítima de estar sendo oprimida. Segundo Pereira (2009, p. 32), os atos de bullying são divertidos porque
[...] humilham a pessoa vitimada. Quando esta aceita de forma pacífica, torna-se alvo de chacota também para outros alunos. O agressor se sente bem, pois para a sua turma ele éo poderoso, ele se satisfaz ao ver o riso dos colegas ou muitas vezes se sentem vingados pelas agressões ou humilhações que sofrem em outros ambientes, entre eles, o familiar ou simplesmente porque a educação que recebem dos pais serve de incentivo à violência e ao sadismo, neste caso dando-lhe prazer ao ver o sofrimento da sua vítima.

Como se pode notar, os autores tratam o bullying como um comportamento agressivo e perigoso, onde alguém oferece, conscientemente, algum tipo de dano ou desconforto à outra pessoa ou grupo de pessoas.
É pertinente considerar que os atos de bullying se diferenciam de brincadeiras entre alunos ou grupos de alunos, por vezes de caráter físico, que envolve contato pessoal, discussões ou brigas ocasionais em pares de igual força e poder.
Embora não haja estudos precisos sobre métodos educativos familiares que incite o desenvolvimento de alvo de bullying, algumas atitudes de pais para com a educação seus filhos podem ser identificados como facilitadores. Lopes Neto (2005, p. S167) apontou [...] proteção excessiva, gerando dificuldades para enfrentar os desafios e para se defender; tratamento infantilizado, causando desenvolvimento psíquico e emocional aquém do aceito pelo grupo [...]podem contribuir para que alguém se torne vítima.
Lopes Neto (2005) ainda aponta que é pouco comum que a vítima revele espontaneamente o bullying sofrido, seja por vergonha, por temer retaliações, por descrer nas atitudes favoráveis da escola ou por recear possíveis críticas. Na pesquisa da ABRAPIA, em 2004, instituição da qual é cofundadora, 41,6% dos alunos alvos que admitiram não terem falado a ninguém sobre seu sofrimento. Para ele, o silêncio é rompido quando os alvos sentem que serão ouvidos, respeitados e valorizados. Conscientizar as crianças e adolescentes que o bullying é inaceitável, e que não será tolerado, permite o enfrentamento do problema com mais firmeza, transparência e liberdade.
a vítima agressiva é aquela que diante dos maus-tratos que sofre reage igualmente com agressividade. Fante (2005, p. 72) diz que[] é aquele aluno que, tendo passado por situações de sofrimento na escola, tende a buscar indivíduos mais frágeis que ele para transformá-los em bodes expiatórios, na tentativa de transferir os maus-tratos sofridos.
Exemplo desse tipo de vítima foi o caso do menino australiano Casey Heines, de 15 anos, que depois de sofrer bullying revidou com um golpe o ataque que sofria de um colega de escola. Foi uma cena violenta. Em 2011 esta imagem correu o mundo. Para ver o vídeo acesse: http://www.youtube.com/watch?v=S7EmG6RdaU0
Segundo Lopes Neto (2005), a combinação da baixa autoestima e atitudes agressivas e provocativas é indicativa de uma criança ou adolescente que tem como razões para a prática de bullying, prováveis alterações psicológicas, devendo merecer atenção especial. Podem, segundo ele, ser depressivos, inseguros e inoportunos, procurando humilhar os colegas para encobrir suas limitações. Sintomas depressivos, pensamentos suicidas e distúrbios psiquiátricos são mais frequentes nesse grupo.
A vítima provocativa, segundo Fante (2005), é aquela que provoca e atrai reações agressivas contra as quais não consegue lidar com eficiência. É geniosa, tenta brigar ou responder quando é atacada ou insultada, geralmente de maneira ineficaz. Pode ser uma criança hiperativa, inquieta, dispersiva e ofensora.
Ainda temos o grupo de testemunhas que são aqueles que presenciam as agressões e não se envolvem diretamente com o bullying. Geralmente convivem com o problema, mas se calam com medo de serem futuros alvos. Para Fante (2005) e Lopes Neto (2005) as testemunhas por não saberem como agir e por descrerem nas atitudes da escola, optam pelo clima de silêncio, o que contribui para que os autores o afirmem ainda mais seu poder, ajudando a acobertar a prevalência desses atos. A forma como essas testemunhas reagem ao bullying permitiu a Lopes Neto (2005, p. S168) classificá-los como:[...] auxiliares (participam ativamente da agressão), incentivadores (incitam e estimulam o autor), observadores (só observam ou se afastam) ou defensores (protegem o alvo ou chamam um adulto para interromper a agressão).
O autor aponta que muitas testemunhas acabam por acreditar que o uso de comportamentos agressivos contra os colegas é o melhor caminho para alcançarem a popularidade e o poder e, por isso, tornam-se autores de bullying. Outros podem apresentar prejuízo no aprendizado; receiam ser relacionados à figura do alvo, perdendo seu status e tornando-se alvos também; ou aderem ao bullying por pressão dos colegas. Quando as testemunhas interferem e tentam cessar o bullying, essas ações são efetivas na maioria dos casos.
Como se pode notar, o simples testemunho de atos de bullying é suficiente para causar descontentamento com a escola e comprometimento do desenvolvimento acadêmico e social.
Tomando as características pessoais, familiares e as várias correlações encontradas na experiência de vitimização, não significam, necessariamente, uma causação absoluta. Evidentemente, as crianças e adolescentes não são acometidas de maneira uniforme, mas existe uma relação direta com a frequência, duração e severidade dos atos de bullying.
Conclusão
As escolas devem saber das medidas judiciais que professores e familiares podem tomar e ações pedagógicas que podem ser implementadas para tratar o bullying. Sem isso, os alunos continuarão a repetir essas atitudes porque terão certeza da impunidade. Vão continuar se sentindo à vontade para denegrir a imagem de colegas e até de professores ou de qualquer outra pessoa. E isso não deve ser permitido, pois pode comprometer a formação do próprio aluno.
É
preciso saber que as vítimas de bullying têm o direito de prestar queixa e pedir sanções penais. Caso o autor das ofensas tenha menos de 16 anos, os pais serão processados por injúria, calúnia e difamação; se tiver entre 16 e 18 anos, responderá junto com os pais; e, se for maior, assumirá a responsabilidade pelos crimes. Outras dicas pedagógicas são fundamentais e podem ajudar na conscientização dos alunos: dialogue com eles sobre o bullying para que eles não vejam essa atitude como brincadeira. Mostre a repercussão e responsabilidade jurídica que esses atos podem levar. Converse também com os pais, realize palestras com toda comunidade escolar. Verifique se o regimento interno da escola prevê sanções a quem pratica atos agressivos. Em caso negativo, discuta com colegas gestores a possibilidade de incluir o tema. Realize projetos na escola, forme os próprios alunos para que sejam os protagonistas de ações de solidariedade e apoio às vítimas de bullying. Para os familiares, participem mais da vida escolar de seu filho, combata as agressões com diálogo; é preciso participar da comunidade escolar como espaço de aprendizagens, cooperação e formação. Aos docentes, conheça as representações que os alunos possuem sobre a escola, o que pensam sobre este espaço, sua prática pedagógica e reflita sobre elas. Assim, poderemos começar a trilhar um caminho mais eficaz em relação ao combate do bullying na escola e em outros espaços sociais.

Referências

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Sobre a autora
Pedagoga, Mestre e Doutoranda em Educação (UFBA)
Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia.
Autora do livro Cyberbullying: ódio, violência virtual e profissão docente. Brasilia: LiberLivro, 2012; Co-autora do Livro A Vida no Orkut: narrativas e aprendizagens nas redes sociais, EDUFBA, 2010. Mais informações sobre o tema em [http://telmabr.blogspot.com/]

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